quarta-feira, 17 de novembro de 2010

O mau uso dos medicamentos está favorecendo a tuberculose

Há um problema sério em se tratar tuberculose de qualquer jeito, como qualquer outra doença: que a doença fique mais forte; isto é, o uso de um antibiótico comum pode causar um problema ao gerar um tipo de tuberculose mais resistente. Fluoroquinolonas são as drogas mais comumente prescritas nos EUA, e são utilizadas para lutar contra uma série de infecções, desde sinusite até pneumonia. Elas também são uma espécie de primeira linha de defesa eficaz contra infecções provenientes da tuberculose que mostram resistência medicamentosa. Entretanto, uma nova pesquisa mostra que o uso generalizado de fluoroquinolonas pode criar uma cepa de bactérias resistentes a estes medicamentos também, e isso é pra lá de preocupante.
A tuberculose é uma das doenças infecciosas mais antigas da Humanidade. É causada pelo Mycobacterium tuberculosis, também conhecido como “Bacilo de Koch”, em homenagem ao seu descobridor, o médico Heinrich Hermann Robert Koch. Sua contaminação se dá principalmente por via aérea. Dados históricos sobre a tuberculose no Brasil podem ser vistos diretamente no site da Fundação Instituto Oswaldo Cruz – FIOCRUZ.
O problema principal dessa resistência a medicamentos se dá por causa da Seleção Natural, como sempre.
Quando você aplica um remédio, este agirá em cima do agente etiológico, ou seja, o agente causador de uma doença. O problema é que bactérias (como no caso do Bacilo de Koch) possuem uma taxa de reprodução alta. Assim, é muito fácil aparecer alguma mutação no código genético da bactéria, fazendo aparecer uma nova espécie. Se a taxa de reprodução não for rápida o bastante, o remédio matará todos os agentes infecciosos presentes. Daí, tchau, tchau. Caso a taxa de reprodução seja rápida o suficiente para que alguma cópia seja “mal-feita” (uso o termo “mal-feito” por se referir à produção de uma bactéria com o código genético diferente da célula de origem), apresentando alguma mutação, poderá haver duas coisas. Primeiro, uma mutação que não fará diferença nenhuma, o que significa que a cepa de bactérias não conseguirá viver no meio e perecerá. Uma segunda alternativa será que aconteça uma mutação específica, uma mutação que faça com que a bactéria tenha resistência ao medicamento.
O primeiro caso não é muio interessante neste momento, já que o medicamento age sobre todo o agente infeccioso, ele morre e você fica curado. Simples. O problema está no segundo caso. Mas, por que ele acontece? Simplesmente, a bactéria não fica “mais espertinha” e se defende do remédio. Bactérias não pensam. Quando aparece um indivíduo resistente ao medicamento, ele não vai perecer. Assim, ele gerará mais descendentes e estes terão as mesmas características. Os indivíduos que não tinham resistência ao remédio morrem, sobrando apenas os fármaco-resistentes. Estes últimos gerarão mais descendentes, podendo – através de contato ou via aérea – contaminar outras pessoas, iniciando um novo tipo de tuberculose.
A pesquisa da Drª Rose A. Devasia, a ser publicada na American Journal of Respiratory and Critical Care Medicine, versa sobre a determinação da prevalecência e os fatores de risco da tuberculose resistente a fluoroquinolona na maior parte da população norte-americana. Para isso, eles identificaram todas as pessoas com diagnóstico confirmado de tuberculose. As pessoas que possuíam a variante resistente a fluoroquinolona foram separados dos demais e comparados com pessoas apenas com suspeita da doença.
“Enquanto a resistência das cepas de tuberculose à fluoroquinolona tem sido relatada desde meados da década de 1990, segundo sabemos, nenhum teve as causas diretas investigadas”, disse a Drª Devasia
Depois de excluir os pacientes que não possuíam uma cultura de bactérias utilizáveis, os investigadores analisaram dados de 640 pacientes. Dados como idade, raça e outros fatores demográficos não foram significativamente associados com resistência, mas quando os pesquisadores analisaram os dados de forma mais abrangente, eles encontraram uma associação linear entre a exposição à fluoroquinolona e a resistência a este medicamento.
Em geral, os doentes que tinham utilizado fluoroquinolonas dentro de 12 meses de diagnóstico tiveram quase cinco vezes mais probabilidade de ter uma cepa resistente à fluoroquinolona do que aqueles que não tinham usado o medicamento, e houve uma associação linear entre o comprimento de utilização da fluoroquinolona e a variação bacteriana que apresentava resistência. Ninguém dissera que a Natureza tinha que ser boazinha, nem que a Seleção Natural só propiciasse coisinhas boas.
O Dr. John Bernardo, da Escola de Medicina da Universidade de Boston e o Dr. Wing Wei Yew, do Hospital Grantham – em Hong Kong, constataram que a pressão sobre médicos – particularmente Emergências – para receitar medicamentos impróprios pode contribuir para este problema crescente.
“Por enquanto, todos nós precisamos ser mais cuidadosos ao considerar o uso desses medicamentos e limitar o uso prolongado ou repetido dos usos das fluoroquinolonas, ou mesmo evitá-las completamente, em pacientes que estão com risco de tuberculose ativa”, escreveram os médicos em um editorial de acompanhamento na mesma edição da revista.
O mesmo processo evolutivo que permitiu que a doença venha afetando os humanos por séculos e mais séculos está em curso ainda, só que mais rápido. O ataque contra o inimigo acaba propiciando um inimigo mais forte. Agora, resta aos pesquisadores trabalharem em cima de medicamentos que atuem mais rapidamente, evitando que os impiedosos processos evolutivos hajam na corrida pela vida, onde uma bactéria – que não possui olhos, membros e nem cérebro – ganhe de seres especializados, que conquistaram seu ambiente, mas não são páreos para algo com uma taxa de mutação e velocidade de reprodução muito rápidos.